leitura com bebês
Desenvolvimento infantil

Leitura com bebês: o papel da literatura na formação do sujeito

leitura com bebês

Sempre achei fascinante como Graciliano Ramos, em Vidas Secas, conseguiu colocar na secura da palavra a vida de escassez das personagens e construiu com densidade emoções e sensações expressas numa língua parca, às vezes composta por resmungos e gestos.

Não é por acaso que seja assim, o pensamento organizado é resultado da elaboração da linguagem: quanto mais complexa ela é, mais bem construída é a expressão do pensamento.

Quando comparamos essa representação literária com a noção de que temos dois nascimentos, um biológico e outro psíquico, isso se torna particularmente interessante. Nosso nascimento psíquico é simbolicamente representado pela linguagem e é com ela que nasce o sujeito.

A fala se desenvolve com a escuta, que não é passiva. Os bebês têm uma sensibilidade muito grande à voz humana e quando ouvem tentam construir significados. Conversar com bebês, algo que fazemos intuitivamente, desconsiderando a ausência de respostas diretas, é crucial para o seu desenvolvimento.

É nesse sentido de construção de significados que a literatura assume um papel importante na formação do sujeito, pois embora o vocabulário varie com cada família, a fala do dia a dia é geralmente pobre, composta basicamente pelo imediato da vida cotidiana. A literatura, por outro lado, traz uma riqueza não apenas de palavras, mas de maneiras distintas de expressar sentimentos, ver e viver o mundo.

Desse modo, costumam surgir diferenças entre o desenvolvimento de crianças que têm contato com múltiplas formas narrativas, com sua diversidade poética e literária, capaz de promover um capital psicológico e cultural mais amplo, e aquelas de famílias nas quais impera a língua do dia a dia, com tensões pouco elaboradas.

Cabe aqui abrir um parênteses a respeito de indivíduos não alfabetizados e povos de cultura oral, uma vez que não se trata de dizer que a ausência da escrita significa ausência da capacidade de reflexão e desenvolvimento da autonomia.

Existem múltiplas formas narrativas e a literatura é apenas uma delas. A tradição oral, de contação de histórias, que passando de geração para geração carrega conhecimento adquirido, cultura e valores, nos mostra isso. No entanto, é preciso considerar o papel da literatura nas sociedades letradas, sobretudo quando a falta de acesso a ela reforça desigualdades sociais.

Países como a França e a Colômbia desenvolvem políticas públicas para incentivar a leitura desde a primeira infância, distribuindo livros infantis gratuitamente para as famílias e fomentando a criação e manutenção de bibliotecas públicas.

Com isso, assumem que diminuir as distâncias sociais não depende apenas de aumentar a renda da população mais pobre, mas contribuir para o acesso aos bens culturais, como a literatura, e promover maior igualdade na formação intelectual dos cidadãos.

Em Vidas Secas, o autor demonstra a dificuldade dos personagens em pensar a si mesmos como sujeitos devido a escassez da linguagem. Mas, além disso, expõe a relação de dominação pela palavra, quando os poderosos agem arbitrariamente com os pobres através do discurso sem que estes consigam se opor, pois pouco podem refletir sobre a opressão ou mesmo expressar o que sentem.

Assim como cuidamos dos bebês dando colo, carinho e boa nutrição, assim como conversamos e cantamos com eles, devemos nos apropriar dos livros como alimento fundamental para o seu desenvolvimento psíquico e social, pois eles não servem apenas como meio para o aprendizado da leitura e da escrita, mas para aprender a ler a si mesmo e o mundo de maneira mais plena. E, com isso, possibilitar a construção de novas e independentes histórias.

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Nas próximas semanas, o blog terá uma série de textos sobre os benefícios da leitura para o desenvolvimento dos bebês e dicas de leitura para cada faixa etária, até os 2 anos.

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