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Aprender com o caos

pássaro negro no fio - alexandra duarte
Foto que fiz faz tempo e tem um significado muito especial pra mim

Sempre acho o primeiro dia do ano muito amarelo e modorrento. Não sei o que acontece, mas sempre foi assim. Amarelo, modorrento, abafado, entediante, e que piora porque geralmente eu sinto uma dor de cabeça insistente e irritante, talvez pela noite mal dormida, talvez pela bebida, talvez pelo clima de domingo que o dia primeiro tem, mesmo quando cai num sábado.

Esse ano, não. Por alguma razão, o céu estava azul e lindo. O dia tinha cores normais, suaves, pasteis, nada do amarelo-ressaca. Soprava um vento bom, os humores de todos com quem eu estava, e o meu também, eram os melhores, suaves como o dia. Não efusivos, mas tranquilos. A verdade é que fazia muito tempo que eu não sentia uma energia tão boa, de férias, embora as minhas estivessem acabando ali, de viagem na estrada, embora eu estivesse em casa.

Se essa tranquilidade é prenúncio de um novo ano bom, eu não sei, mas depois de tudo que vivemos desde 2020, nada mais justo que uma forra. Embora eu não possa dizer que 2021 foi um ano ruim pra mim. Foi cansativo, exaustivo, corrido, porém, ruim, não. Eu me mantive viva em mais um ano de pandemia, eu me mantive relativamente firme e sóbria vendo tanta coisa acontecer, sentindo tanto por tudo, trancada em casa com uma criança de 4 anos, atrasando trabalhos por conta da segunda onda, abandonando semestre de faculdade, esgotada, exaurida, querendo que tudo acabasse logo. Mas não foi um ano ruim.

Em dezembro, já não aguentava mais nada. Tirei um mês de férias e trabalhei na primeira semana toda, porque sou o Julius e tenho dois empregos (na verdade eu tenho um emprego normal e além disso faço documentário, então é diferente, mas dá na mesma). De julho a dezembro, não li nenhum livro, não estudei, só trabalhei. Não li notícias, não escrevi textos de política, não tretei com bolsominions. Não conseguia, não tinha ânimo, estava muito, muito cansada. Só queria ficar quietinha no meu canto. Bem quietinha e recolhida.

Estava esgotada, mas trabalhei em coisas que tem significado pra mim. Vivi uma vida inteira em poucos meses. Olhei muito pra dentro de mim mesma, refleti. E fiz muitas coisas, muitas daquelas que me travavam antes, me colocavam medo e ansiedade. Mas fiz. Sem pensar muito, só fiz. Encarei. Não dei ouvidos pras vozes da minha cabeça que colocavam em dúvida meu valor e minha capacidade. E deu certo.

Passei a aceitar com mais tranquilidade situações não tão tranquilas. Acho que amadureci muito, afinal. Desenvolvi mais estabilidade emocional. Passei a ter mais clareza dos meus limites, dos meus medos e do que realmente desejo e preciso. Não sinto mais tanta necessidade de aprovação, validação. Não consigo mais carregar fardos de mágoas e ressentimentos. Eu só sinto vontade de viver bem, de fazer o que gosto e não perder tempo.

Pensei demais sobre a transitoriedade da vida, sobre como é tudo tão fugaz, é tudo muito incerto e a gente tem tão pouco controle sobre as coisas que o meu desejo mais profundo é não perder muito tempo com nada que não me dê sentido e vontade de viver. Curtir um dia de cada vez, sem pressa. Não me perder em vaidades, em necessidades colocadas pelo mundo e não por mim. Viver devagar, porém, viver muito, com intensidade. É um desejo antigo e tenho caminhado mais nessa direção.

Será que tudo isso tem a ver com passar dois anos em pandemia? Será que tanta tensão, afinal, me colocou em perspectiva a respeito dos meus próprios dilemas, problemas, propósitos? Não sei. Sei que não sou do tipo que acha que a pandemia veio ensinar coisas. A pandemia não veio ensinar nada; nós, por outro lado, sempre temos algo a aprender. O que eu sei é que talvez o meu maior aprendizado de 2021 foi expresso totalmente nesse tweet da escritora Liliane Prata:

That’s all, folks!

2 thoughts on “Aprender com o caos”

  1. oi alexandra! desde a primeira vez que li teu texto “o dia vinte”(não lembro bem o ano mas faz tempo), sempre retorno a ele, como fiz hoje. aí decidir olhar a página inicial do blog e a grata surpresa desse novo texto, do dia 3, rs. passando só pra dizer que gosto muito da tua escrita, e que ela inspira. obrigada por compartilhar, e um abraço 🙂

    1. Oi, Patricia! “O dia vinte” foi um texto que escrevi um dia no trabalho e que me levou a criar esse blog. Foi o primeiro publicado aqui. Tu nem imagina o quanto teu comentário me deixou feliz. Sempre me pergunto sobre o sentido de escrever aqui e estava pensando mais uma vez sobre isso quando publiquei o texto do dia 3, me perguntando deveria continuar… Teu comentário é um sim pra mim. Muito obrigada! Abraços. 🙂

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