Crônicas

Discordar é afastar do coração: o desafio da comunicação humana

As palavras têm poder, já dizia minha mãe, minha avó, minha bisavó. A ideia, sempre dita como explicação mágica – não diga tal coisa, pois as palavras têm poder, e isso pode se tornar realidade -, é a percepção da palavra como algo criador.

Há uma outra dimensão quase mágica da palavra, que é a etimologia. O encanto está em perceber que mesmo quando não conhecemos sua raiz, sentimos a reverberação de seu significado no uso. Um exemplo disso é o das palavras discordar e concordar, que ao contrário do que pode parecer, têm mais a ver com coração do que com a razão.

Discordar, do latim discordare, significa literalmente afastar do coração. Enquanto concordar, do latim concordare, é aproximar do coração. Mesmo sem ter consciência disso, quando concordamos nos sentimos unidos a alguém não apenas de maneira intelectual, mas principalmente afetiva.

Consequentemente, costumamos reagir mal à discordância dos outros em relação às nossas ideias, pois dificilmente conseguimos ignorar o corde, o coração, e não levar para o lado pessoal a afronta dos outros àquilo que pensamos como correto.

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Tenho a impressão de que nossas vidas têm se reduzido cada vez mais a um combate de palavras, como se de repente elas tivessem adquirido, além do mágico, um poder bélico. E com uma conexão maior entre todos nós graças à internet, quando fazemos nada mais do que expressar nossas próprias ideias, sentimentos, percepções, quantas vezes nos questionamos sobre nossa forma de usar as palavras?

Nas redes sociais, somos capazes de dar suporte a quem sequer conhecemos, mas também ferimos outras pessoas a partir do que compartilhamos e da maneira como falamos. Nos aproximamos e, na mesma medida, nos afastamos uns dos outros.

De repente, nos damos conta também de que a interação virtual é a vida propriamente dita, cada vez mais entremeada em nossas rotinas e habitus – nosso modo de perceber, organizar e reagir ao mundo social. E nessa extensão da realidade, em que interagimos com a velocidade de segundos, repetidas vezes ao longo das horas, dos dias, dos meses e dos anos, estabelecemos uma comunicação crescentemente virulenta.

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Comunicar, do latim communicare, significa colocar em comum, partilhar. Envolve, portanto, relacionar-se com o outro, negociar com ele, compreendê-lo. É uma relação de alteridade.

Mas, em tempos em que cancelamos pessoas pela divergência de pensamento, estamos apenas reduzindo o outro ao que somos – e se o outro não é nós, o outro é nada. Em suma, em boa parte das vezes não estamos nos comunicando realmente, estamos falando sozinhos. Ou para iguais – até que esse igual mostre sua diferença.

Sabendo que alteridade não é passividade, e compreensão não é legitimação de qualquer ideia, não se trata, portanto, de romantizar o outro com quem nos comunicamos nem, em hipótese alguma, tolerar a intolerância, a afronta aos direitos humanos e à humanidade, especialmente das minorias.

Não se trata, tampouco, de estabelecer uma comunicação que tolera o outro por “bondade”, mas de cultivar em nós mesmos um espírito de compreensão, num sentido abrangente: compreensão que abarca a forma como nós, seres humanos, pensamos, como chegamos a nossas próprias conclusões, como formamos nossos sistemas de ideias, como argumentamos e como nos comunicamos com o mundo.

Com isso, entender que mesmo o confronto de palavras deve ser refletido. E questionar qual nosso objetivo ao nos comunicar, decidindo, assim, a forma e o conteúdo. Afinal, queremos nos comunicar para garantir um embate e ter a sensação, ou ilusão, de ganhar, ou queremos verdadeiramente construir alguma coisa?

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É preciso estar em acordo com nossas diferenças, quando temos tanto em comum: o destino do mundo que habitamos, nossa humanidade, nossa busca por algo que faça sentido. E é preciso lembrar que para estar em comum, em comunidade, precisamos nos comunicar de modo a estar próximos em coração, não para nunca mais divergir, mas para fazer com que nossas divergências não se tornem sempre ódios mortais, que nos levam a cancelamentos uns dos outros e a impasses que não ajudam a avançar e nem a construir, senão o melhor dos mundos, pelo menos um mundo melhor.

2 thoughts on “Discordar é afastar do coração: o desafio da comunicação humana”

  1. Nossa Alexandra esse texto fez tanto sentido pra mim… eu tenho esse dilema de concordar com todos e nunca opinar. Achando que isso irá ser melhor para não conflitar. Mas a verdade é sabendo como, faz bem discordar. Comunicar-se é importante! É como você escreveu: “precisamos nos comunicar de modo a estar próximos em coração”.

    Boa semana flor ♥

    1. Claudia, venho tentando encontrar esse equilíbrio faz um tempo. Fácil não é, mas ajuda muito ter isso em mente. Boa semana pra ti 🙂

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